“Bom dia, meu povo brilhoso!”. Quem identifica esse bordão já sabe: estamos falando da jornalista, ativista gorda e editora do site cultural Apartamento 702, Cecília Oliveira. Ela foi a convidada do podcast Tudo Menos Marketing, comandado por Fábio Farias, para um papo inspirador sobre estilo, empoderamento e a cena cultural de Natal.
A conversa começa relembrando a amizade de mais de 18 anos entre Fábio e Cecília e como o estilo dela se transformou nesse período. Do visual roqueiro da época da faculdade, Cecília passou a abraçar cores, brilhos e paetês, um reflexo do seu amadurecimento pessoal e da descoberta da sua potência.
Um dos grandes marcos dessa transformação foi um comentário da sobrinha, que na época com 8 anos de idade, já demonstrava inseguranças com o próprio corpo. Esse foi um gatilho para Cecília se conectar com sua criança interior e mostrar para a sobrinha – e para o mundo – que ela podia ser quem quisesse.
Militância gorda: um processo de descobertas e enfrentamento
A jornada de autoconhecimento de Cecília se entrelaça com sua militância contra a gordofobia. Ela conta que o processo foi longo, difícil e ainda está em construção. A partir da própria experiência com medicamentos para emagrecer e seus efeitos colaterais, Cecília passou a estudar a fundo o tema e a se conectar com outras mulheres gordas que compartilhavam da mesma vivência.
“Conviver com outras mulheres gordas que tinham as mesmas questões que eu foi um processo muito empoderador também”, conta Cecília.
Ao falar sobre os desafios de uma pessoa gorda na sociedade, ela destaca dois pilares: a acessibilidade – principalmente em transportes – e o acesso à saúde, que ainda são negados a muitos. Equipamentos com capacidade de peso limitada, falta de macas e mobiliário adequados e até mesmo o preconceito por parte de profissionais da saúde são obstáculos que precisam ser combatidos.
E como lidar com o hate, tão presente no dia a dia de quem milita pela causa gorda? Cecília responde com bom humor: “Ah, vai pra lá!”. Ela reconhece que o hate vem da crença de que a pessoa gorda “é gorda porque quer” e, por isso, não tem direito de questionar ou reclamar das dificuldades que enfrenta.
Uma Cinderela Guerreira no Tinder e as nuances do fetiche
No podcast, Cecília se declara uma “Cinderela Guerreira usuária assídua do Tinder” e afirma que deixa claro em seu perfil e fotos que é uma mulher gorda. Ela conta que, apesar de usar o aplicativo para se divertir e fazer conexões, é comum se deparar com o fetiche por mulheres gordas, o que pode ser frustrante: “Muitos caras têm fetiche, querem pegar a mana gorda por questões da cabeça deles”.
Ela também fala sobre as dificuldades de evoluir para um relacionamento sério dentro desse contexto, mas reconhece que o afastamento de alguns homens por conta de sua militância e estilo de vida acaba sendo um livramento: “Esses homens que são afastados por causa disso são homens que não me interessam”.
Pop Plus, Apartamento 702 e Comunica Ceci: paixão pela cultura em múltiplas frentes
Cecília é uma apaixonada pela cultura potiguar e isso se reflete em seus trabalhos. Ela é colunista do Pop Plus, a maior feira de moda plus size do mundo, onde aborda temas como moda, ativismo e beleza direcionados para pessoas gordas. Para ela, o convite para escrever na plataforma foi uma alegria e um marco em sua trajetória: “Nunca me imaginei também sendo jornalista de moda. Por mais que eu sempre tivesse gostado, para mim nunca pareceu possível escrever sobre moda, porque meu corpo nunca foi um corpo padrão”.
Ela também é editora do Apartamento 702, site cultural que há cerca de 10 anos divulga e valoriza a arte potiguar, e comanda a Comunica Ceci, sua empresa de assessoria de comunicação focada no segmento cultural. Através dessas frentes, Cecília trabalha para dar visibilidade aos artistas locais e mostrar a potência da arte produzida em Natal.
Cultura potiguar: empoderamento, desafios e uma nova geração
Ao analisar o cenário cultural da cidade, Cecília vê um movimento vibrante com artistas premiados e grupos talentosos, mas que ainda precisa de maior apoio e investimento. Ela ressalta a importância da prospecção financeira para além da criação de leis de incentivo: “Não adianta você ter um edital que vai permitir com que os produtores escrevam seus projetos numa lei estadual, se esses produtores não têm acesso a saber quem pode capitalizar aquilo”.
Comparando a cena cultural atual com a de 15 anos atrás, Cecília destaca o crescimento do público consumidor de música potiguar e a diversidade de estilos que a cidade oferece hoje. Bandas como Luísa e Os Alquimistas e Potyguara Bardo são alguns dos nomes que ela cita como exemplos dessa nova sonoridade.
No entanto, ela aponta a falta de investimento público como um dos grandes entraves para o desenvolvimento da cultura local: “A gente precisa de mais políticas públicas que realmente fomentem ainda mais, porque a gente já tem muitas potências na cidade. Sem política pública, a gente não avança!”.
Para Cecília, a geração de artistas que se formou nos últimos anos, muitos egressos do curso de Rádio e TV da UFRN, foi fundamental para o crescimento da cena audiovisual da cidade. “A gente meio que conheceu uma galera que tem feito toda essa revolução cultural na cidade”, conta ela, citando nomes importantes da cidade.
Ribeira: resistência cultural em meio ao abandono
O abandono da Ribeira, um dos pontos turísticos mais importantes de Natal, também é tema da conversa. Cecília lamenta o processo de esvaziamento do local e a especulação imobiliária que visa transformar a área em um “território que não vai ser pra gente”. Apesar disso, ela reconhece que ainda existe um movimento de resistência cultural na Ribeira.
Música eletrônica e a nostalgia da geração “só rock!”: um novo olhar sobre a cultura
O movimento da música eletrônica, em especial do house, também chama a atenção de Cecília. Apesar de se declarar da geração “só rock!”, ela se encantou com o estilo e sua capacidade de reunir pessoas de diferentes gerações. Ela relembra com bom humor as festas temáticas da época da faculdade, como a “Pum!”, e comemora a diversidade da cena cultural atual: “Hoje eu quero dançar até o chão e me divertir, e depois quero escutar um jazz”.
Valorizar o que é local e fortalecer a cena cultural potiguar
Ao final do podcast, Cecília deixa um recado importante: precisamos valorizar os artistas locais e reconhecer sua importância para a cidade. “Você também pode ser foda aqui! A gente precisa pensar que as pessoas são fodas aqui. Elas não precisam ir pra fora para serem fodas”.
Ela convida a todos a abraçarem as produções alternativas da cidade, a seguirem o Apartamento 702 e a se informarem sobre seus direitos como cidadãos. “Você não só dá certo quando você tá a nível nacional ou a nível internacional. Você também pode ser foda aqui! A gente precisa pensar que as pessoas são fodas aqui. Elas não precisam ir pra fora pra serem fodas”.
A entrevista com Cecília Oliveira é um convite à reflexão sobre a importância da cultura em nossas vidas e sobre como podemos contribuir para fortalecer a cena local. Que a gente possa aprender com sua história e seguir celebrando a potência da arte potiguar, com brilho, militância e muito amor.